O final do primeiro ano de 13
Reasons Why foi promissor, terminando com ganchos para uma possível segunda
temporada que deixaram todo o público ansioso por uma continuação. Houve a
confissão de Bryce e sua possível penalização, a partida de Justin, a provável
morte de Alex, a revelação de um arsenal de armas escondidas por Tyler e a
descoberta das fitas pela família de Hannah.
Portanto, o segundo ano da série veio
carregado de expectativas. Começando pela necessidade do público em saber o
desfecho de todas as questões descritas acima, mas, principalmente, a resposta
para a seguinte pergunta: Hannah e Jéssica terão justiça?
A campanha promocional da segunda
temporada revelou que agora os adolescentes lidariam com uma nova forma de
exposição, que substituiria as fitas deixadas por Hannah, concentrando o
mistério em fotos polaroides.
Hannah figura nesta temporada como
um “fantasma”, fruto da imaginação de Clay, o que se tornou um dos grandes
erros do novo ano da série. A proposta de ter a imagem da adolescente para
provocar Clay, instiga-lo a desmascarar Bryce e levar a história de Hannah adiante,
serviu somente para duvidarmos da sanidade do garoto.
Os diálogos entre Clay e a Hannah
fantasma foram um desserviço para a série, pois o jovem a acusava constantemente
de ser leviana, promiscua, mentirosa, dentre outros nomes, numa tentativa em
que levava o telespectador a acreditar que Hannah merecia o que lhe aconteceu,
que ela provocou toda a situação.
Hannah não provocou. A culpa nunca
é da vítima. Não é preciso mostrar que uma mulher não “provocou” o homem, que
ela agiu de forma recatada, se “dando ao valor”. Não é essa a mensagem que um
show que tão significativo para o público adolescente quanto 13 Reasons Why
deve passar. Porque depois do “não”, tudo é estupro.
E não é preciso haver um “não”
expressamente declarado, como Bryce pontua jamais ter escutado de Hannah. O
consentimento é claro, seja verbal ou não. Hannah claramente não queria
qualquer relação sexual com Bryce, o que foi muito bem pontuado na primeira
temporada.
Transformar Hannah em um fantasma,
um encosto para Clay, parece meramente uma desculpa para inserir a atriz, que
tem um carisma natural, na maior quantidade de cenas possíveis.
Clay foi novamente o personagem
mais irritante de todos. Em seu anseio por querer saber a verdade de Hannah,
saber que ela era pura e casta, apenas reforçou estereótipos sobre jovens
garotas que, em tempos de um movimento feminista tão em evidência e de luta por
liberdade sexual, a série parece andar para trás.
Clay precisava acreditar que Hannah
não tinha beijado ou transado com algum outro garoto que não fosse ele mesmo. Somente
após se convencer de que Hannah de fato era uma “boa garota” como imaginava,
ele pôde seguir para ajudá-la.
Porém, Clay jamais tentou entender
Hannah ou aceitá-la como ela era. Ele teve somente o trabalho de se convencer
de que sempre esteve certo sobre a visão de que tinha sobre Hannah. Tê-la nos
flashbacks dos garotos já seria suficiente. Conhecer mais lados da história de
Hannah foi, de fato, interessante.
Pudemos acompanhar o desenvolvimento
de algumas de suas relações de forma mais completa, como a de Zach, por
exemplo, ou mesmo Bryce, para quem Hannah ofereceu sua amizade, o que nos faz
odiá-lo ainda mais.
Sobre o Zach, um dos problemas em
revisitar a história de Hannah foi a necessidade dos roteiristas em explicar
que toda história tem um outro lado, e que Hannah não necessariamente contou
toda a história em suas fitas.
Essas frases em alguns momentos saíram diretamente da
boca do personagem, o que o transforma meramente em um portador da desculpa de
que os roteiristas inventaram para que aumentar a história de Hannah. Não há
necessidade em ser tão literal. Foram momentos autoexplicativos dignos de um
Christopher Nolan. Foi duvidar da inteligência do espectador.
Ainda assim, Zach conseguir ser um
personagem interessante, com camadas, principalmente em seu núcleo familiar. É
extremamente relevante ver como os pais não querem enxergar os problemas dos
filhos, às vezes não por relapso, mas pelo medo de não saberem lidar com os
problemas e não conseguirem ajudar. Fingir que tudo está bem é sempre mais
fácil.
Quanto a Bryce, seu arco como o
estuprador é muito forte e foi bem trabalhado. Um dos momentos mais impactantes
da temporada foi ouvir Bryce narrando com desprezo para a própria mãe como
estuprou Hannah, o que o faz ficar excitando com a lembrança. As palavras saem
de sua boca e nos faz querer vomitar de ódio.
Contudo, o arco do personagem perde
força nos capítulos finais ao deixar de puni-lo, mostrando que, caso você tenha
dinheiro, pode escapar de (quase) tudo. Inclusive, é possível sentir uma
humanização de Bryce em suas cenas finais, o que descaracteriza completamente a
história que lhe foi construída.
Inclusive, nos momentos finais a
série desvia o foco da figura de Bryce como o vilão, entregando esta alcunha
para Montgomery, que até então não passava de um coadjuvante qualquer na série.
É desvendado que Montgomery estava
por trás de todas as ameaças sofridas pelos jovens durante a temporada. Também
é revelado que Montgomery sofria abuso dos pais (a série sempre justifica as
atitudes dos jovens com um background, seja nos pais, nos amigos ou na escola).
É Monty quem protagoniza a cena mais
impactante desta temporada, ao violentar Tyler com socos e um cabo de vassoura.
Ao contrário das cenas de Hannah e Jéssica na primeira temporada, que foram bem
construídas e justificadas ao longo da história, a violência sofrida por Tyler
pareceu gratuita.
A série parece refém da necessidade
de chocar novamente o público, mas não entrega o desfecho final, que culminaria
no que estava sendo prometido desde o primeiro ano: ver Tyler ir armado para a
escola e assassinar seus agressores.
Porém, Tyler é convencido por Clay
nos últimos minutos a desistir de seu plano. Não parece algo que o personagem
faria. Acredito que aqui a série foi medrosa e irresponsável. Ela poderia ter
mostrado algo que, infelizmente, é tão comum nos EUA, mas preferiu recuar e
ficar novamente só na ameaça.
Ainda no fim, todo o arco de Jéssica
foi jogado por água a baixo. Sua história que, com muita delicadeza foi retratada
durante a série, seus traumas, lembranças constantes do que lhe aconteceu, medo
do contato físico com outro homem novamente, foram jogados fora quando, nos
últimos minutos, vê Justin sozinho e decide transar novamente com ele.
A intenção da série era mostrar que
Jéssica, após entregar Bryce para a polícia, pode finalmente seguir em frente.
Mas Jéssica em momento algum antes disso demonstrou sinais de que estava pronta
para seguir em frente, para ter contato físico novamente. É como se uma grande
parte de sua história fosse cortada para mostrar uma cena com Justin que não
havia necessidade de existir.
Justin, inclusive, que segura
talvez o único gancho interessante deste final de temporada, ao ter seu padrasto
lhe vigiando, com desejo de vingança, e ao mostrar que não superou o vício em
heroína, mesmo após ter o apoio do pais de Clay, que decidiram adotá-lo para
que sua vida pudesse continuar.
Justin está claramente atormentado
e precisa de ajuda. Partir desse ponto para uma provável terceira temporada
será interessante, abordar o uso de entorpecentes por jovens, como uma
dependência química a ser tratada, é algo que a série ainda não fez.
De um modo geral, essa segunda
temporada foi repleta de erros. Os personagens que voltaram não foram os mesmos
que deixamos na primeira temporada. Não acredito que seria esse o caminho que
percorreriam. Mas a história de Hannah finalmente foi contada, julgada e,
agora, esperamos, possa ser superada. Sem mais fantasmas.
No fim, a segunda temporada ainda
consegue levantar questões interessantes. Até onde vai a responsabilidade da
escola? Os pais são relapsos com as atitudes dos próprios filhos? Os pais querem
enxergar os filhos como realmente são e estão dispostos a conversar com eles?
Caso não fosse isso, teriam sido 13 episódios para serem queimados e esquecidos,
tais como foram as polaroides.
- 23:25
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